terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Mudanças

Wednesday, August 10, 2005

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Mudanças

A gente vai mudando ao longo da vida e nunca realmente percebe. O melhor jeito de perceber, quantificar e acompanhar seu processo de transição é encontrar alguém que não conheceu o seu eu antigo, só o novo. Somente através desse espelho é nossas mudanças são visíveis.

Até os 15 anos, eu estudava num colégio católico e era extremamente complexado e complicado, agressivo e defensivo. Era gago, gordo, feio e usava um óculos que devia pesar uns 5 quilos. Achava que todo mundo que chegava perto de mim era pra zoar, sacanear. Meninas, nem pensar: pra que se preocupar com impossibilidades? Quem chegava perto de mim, era rechaçado, preventivamente, com 20 pedras na mão. Bem sei que meus amigos daquela época tiveram que vencer obstáculo sobre obstáculo pra poderem se aproximar. Eu não facilitava. Pelo contrário, dificultava. Nunca vou deixar de amá-los: sei bem o que enfrentaram, por amor. Fiz nove anos de análise, dos 9 aos 18, merecidos. Eu devia ser insuportável. Além disso, claro, me achava mais inteligente do que todo mundo e já adorava aparecer.

Aos 15 anos, mudei de escola. Fui pra uma escola internacional. Todas as aulas eram em inglês. Tudo era inglês. As regras, a cultura, tudo, subitamente, era diferente. E meu inglês nem era tão bom assim. Além disso, a escola não era, como as escolas no Brasil, só uma escola, mas também oferecia uma enorme gama de atividades extra-curriculares, conselho estudantil, diversos jornais, campeonatos não só de esportes mas também de conhecimentos gerais, uma banda equipadíssima, essas coisas.

Sem querer, bom ser humano que sou, tentando me adaptar àquele novo ambiente, fui mudando. Me lembro de nunca ter me sentido tão mentalmente estafado quanto naquelas primeiras semanas. Era tudo muito novo, inclusive a língua.

Sobrevivi ao primeiro ano, já camaleado. Mudei, mudei muito, sem nem perceber, tão ocupado que estava em entender o mundo à minha volta. Tive que ficar mais calmo, mais tolerante, mais calado, enquanto me adaptava ao novo ambiente. O Alexandre boca suja, agressivo, defensivo foi sumindo. As atividades extra-curriculares serviram de canal para a minha agressividade, para o meu excesso de energia.

Entrei para uma espécie de elite da escola, o grupo onde todos eram presidentes de turma, tesoureiros do grêmio, escreviam pro jornal, animavam a torcida, faziam trabalho comunitário nas favelas e ainda tiravam as melhores notas. Não só canalizei minha agressividade, como desenvolvi liderança e - finalmente! - me socializei.

E, quando me dei conta, era uma pessoa totalmente diferente. Só percebi isso pelo espelho dos outros. Esses meus novos amigos, os meus companheiros de grêmio, os outros redatores do jornal, falavam de mim e eu mal me reconhecia na descrição. Esse não sou eu, eu pensava. Mas é que eles viam o novo eu, e eu ainda me pensava como se eu fosse o velho eu.

Um dia, me dei conta. Que pelo ano anterior, eu tinha sido uma pessoa radicalmente diferente. Mais importante, que era aquela pessoa que eu realmente era. Ou, melhor ainda, não importava quem eu realmente era, mas era aquela pessoa que eu queria ser.

Quando começo um romance, eu escrevo dezenas de vezes o primeiro capítulo até encontrar o tom certo. Quando encontro, o resto do romance nada mais é do que plagiar aquele primeiro capítulo, manter aquele tom, sustentar aquele clima.

Pois foi isso que eu, romancista da minha vida, fiz. Olhei pra trás e falei: essa pessoa que eu fui nesse último ano, essa pessoa é que eu realmente sou, essa pessoa é que eu quero ser. Me tornei o ídolo de mim mesmo. Algumas pessoas se perguntam: o que Jesus faria nessa situação? Pois eu, quando me sentia escapando para meus antigos padrões de agressividade, me perguntava: o que o Alexandre do ano passado faria? E tentava estar à altura daquele padrão que eu mesmo, sem perceber, havia estabelecido.

Mesmo assim, eu resvalava, às vezes, nos velhos hábitos. Então, meus amigos novos vinham me avisar, me criticar, me dizer que fiz isso ou aquilo, e ainda acrescentavam: você não é disso, você não é assim. Eu achava graça e pensava: "sou assim sim, mas não pra vocês."

Na prática, eles eram o espelho através do qual eu media: eles é que julgariam, sem nem saber, se estava conseguindo ser o novo Alexandre que eu queria ser. Afinal, eles só conheciam o novo Alexandre. Ninguém melhor do que eles para detectar e estranhar as aparições esparsas do velho.

Assim, fui crescendo e, dentro de minhas limitações, virei gente. Mas nunca cansei de me reinventar.

A última mudança começou a acontecer timidamente, quando me formei da faculdade e me livrei daquela obrigação de ler só História, História e História. O alargamento dos horizontes das leituras começou a alargar também meus horizontes mentais, filosóficos, sexuais. Quando tive a minha empresa, por quase três anos, também aproveitei a maior liberdade pra ler mais, viver mais, experimentar mais. E, assim, as mudanças foram acontecendo.

A verdade é que nenhum Alexandre é, ou será, perfeito. O Alexandre da escola americana era sociável e palatável, um bom político que ganhou todas as eleições que disputou mas, também por isso, era careta, vaselina e tão certinho quanto jamais conseguirei ser.

Finalmente, chutei o balde. Não agüentava mais uma empresa que não dava dinheiro, não tinha perspectivas de dar mas, ainda assim, sugava minhas energias vitais e minha força criativa. Decidi que não queria emprego, não queria segurança. Saltei em direção a vida sem rede de segurança. Recusei ofertas de emprego tentadoras, mas que me sugariam de novo, e fui dar aulinhas de inglês. Me casei e fui morar com minha mulher num quarto, na casa da minha mãe, um casamento aberto, em que ambos somos livres para buscar crescimento e amadurecimento em outros parceiros e trazer essas novas experiências para enriquecer nosso próprio relacionamento. Minha mulher, fazendo mestrado, mas sem conseguir bolsa, foi vender roupa em loja. E nós, depois de algum tempo, fomos morar num pequeno apartamentinho, mas que poderíamos pagar.

Mais uma vez, era um novo Alexandre. Absolutamente liberal, libertário e libertino. Contemplativo e meditativo, mas também sabendo aproveitar as oportunidades, explorar novas fronteiras e experimentar a vida em geral. Menos estressado (mas menos sociável), menos preocupado (inclusive com a opinião dos outros) e menos agressivo. Desamarrei meu ego do meu trabalho e da minha carreira. Dar aulas de inglês não era meu trabalho. Eu não era professor de inglês - como já havia sido, por exemplo, empresário. Pela primeira vez na vida, eu era só Alexandre e isso tinha a força libertadora de uma revolução. Não tinha nenhum emprego desafiador, a altura das minhas pretensas capacidades brilhantes, e isso também era libertador. Ninguém esperava nada de mim. Bastava eu trabalhar o suficiente para pagar as minhas contas e estava livre o resto do tempo, pra flanar, vagar, perambular, observar, experimentar, transar. De vez em quando, alguém vinha me dizer que era uma pena alguém brilhante como eu desperdiçando meus talentos e dando só aulinhas de inglês. E eu respondia: vai ver o meu brilhantismo está em perceber que existem coisas mais importantes na vida do que trabalho, carreira, segurança.

No meio de tudo isso, conheci uma mulher, Cláudia. Fomos amigos, amantes, amigos-e-amantes, amantes-e-amigos. Ela foi a primeira pessoa que conheci depois de completada a metamorfose. Pra ela, esse novo Alexandre não era um novo Alexandre, era O Alexandre. Pra outros amigos mais antigos, para minha família, eu estava apenas surtando, dando um tempo, já já iria voltar ao normal, que eu não poderia me desperdiçar assim, não tinha nem emprego, nem plano de saúde, nada, isso não é vida! Mas pra essa moça o Alexandre era aquilo, sem tirar nem pôr. E ela foi, e continua sendo, o parâmetro do sucesso contínuo e continuado dessa minha nova jornada em direção a sei lá mais o quê.

Quando ela fala que sou a pessoa mais tranqüila e cuca-fresca que conhece, eu fico feliz: essa é a pessoa que eu quero ser, essa é a pessoa que não sei se consigo ser ainda, essa é a pessoa que meus pais, que tanto sofreram com o menino estressado de anteontem, nunca irão ver que eu sou, por mais que eu seja. Mas ela me vê assim. E sinto que alcancei uma pequena vitória, daquelas mais significativas, um verdadeiro Waterloo da minha alma.

E, melhor ainda, quando ela, uma mulher neurótica e cheia de taras, diz que está aprendendo comigo a cagar mais pra vida, a ser mais livre, mais tranqüila, o que eu escuto é não só passei por mais uma etapa na minha jornada, como que ainda estou trazendo-o junto.

Mas quando ela fala que estou diferente, que estou estressado, que estou falando com uma agressividade que ela não reconhece, que nunca me ouviu falar daquele jeito, aí eu dou um passo atrás, soam alertas: é o velho Alexandre, placas tectônicas se movendo no subsolo, Godzilla tentando emergir.

E eu pego a minha régua medidora e penso: o que o Alexandre do ano passado faria numa hora dessas? Como o Alexandre da Cláudia reagiria? Como voltar a ser o Alexandre da Cláudia?

A medida que vou seguindo na minha estrada de descobrimento pessoal, tentando me melhorar e mudar, penso que meu objetivo balizador, ao menos por enquanto, é continuar reconhecível para a Cláudia. Enquanto ela vir em mim o Alexandre que conheceu e amou, é porque estou no caminho certo.

Em breve, inevitavelmente, espero superar esse Alexandre e mudar de fase, mas será um passo pra frente e não pra trás, um passo que ela acompanharia dia-a-dia e não estranharia.

Um passo atrás, porém, em direção a um Alexandre que não conheceu, isso ela sentiria na hora.

03/03/03

Iniciei o LLL no dia 4 de março de 2003. O texto que acabaram de ler foi escrito na véspera, para ser um dos textos inaugurais do blog. Mas achei que era pessoal demais e não interessaria a ninguém, engavetei.

Estou indo pro aeroporto. Tchau pra vocês. E cadê o Mauro que não está postando as confissões e quando posta, posta repetida? Assim não vou viajar tranquilo....

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