/8/2007
O corvo
Poema “O corvo”
Tradução de: Machado de Assis
Autor: Edgar Alan Poe.
Título original: The Raven
Em certo dia, à hora, à hora.
Da meia noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta.
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
“É alguém que me bate à porta de mansinho”;
“Há de ser isso e nada mais.”
Ah! Bem me lembro! Bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o colchão refletia
A sua última agonia.
Eu ansioso pelo sol, buscava.
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora.
Destas saudades imortais.
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará mais.
E o rumor triste, vago, brando.
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui, no peito,
Levantei-me de pronto, e “Com efeito,
(disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais.”
Minh’alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo, e desta sorte.
Falo: “Imploro de vós-ou senhor ou senhora”,
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Batestes, não fui logo, prestemente,
Certificar-me que aí estais.
Disse; a porta que escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.
Com longo olhar escuro a sombra
Que me amedronta, que me assombra.
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta;
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, como um suspiro escasso,
Foi isso apenas, nada mais.
Entro co’a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
“Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos,
Eia, fora o temor, eia vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais,
Devolvamos a paz ao coração medroso,
Obra do vento, e nada mais.”
Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar as suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta em um busto de palas:
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida e postura,
Com o gosto severo, - o triste pensamento.
Sorriu-me ali por um minuto,
E eu disse: “Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus senhoriais;
Como te chamas na grande noite umbrosa?”
E o corvo disse: ”Nunca mais.”.
Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que eu lhe fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto.
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta.
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta a dizer em resposta
Que esse é seu nome: “Nunca mais.”
No entanto, o corvo solitário.
Não teve outro vocabulário.
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse,
Nenhuma outra proferiu, nenhuma.
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: “Perdi outrora”
Tantos amigos tão leais!
“Perderei também este em regressando a aurora.”
E o corvo disse: “Nunca mais.”
Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! E tão cabida!
“Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Ao tenaz, tão sem pausa, em fadiga,
Que dos seus Cantos usuais
Só lhe ficou na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: “Nunca mais.”
Segunda vez nesse momento
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rude;
E, mergulhando no veludo.
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera,
Achar procuro a lúgubre quimera,
A alma, o sentido o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: “Nunca mais.”
Assim posto, devaneando,
Meditando, conjeturando,
Não lhe faltava mais; mas, se lhe não falava,
Sentia o olhar eu me abrasava.
Conjeturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto
Onde os raios da lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam
E agora não se esparzem mais.
Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando.
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível:
E eu exclamei então: “Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia,esquece,eia,olvida essa extinta Lenora.”
E o corvo disse: “Nunca mais.”.
“Profeta, ou o que quer que sejas!”
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: ou venhas tu do inferno.
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o horror, o horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Diz-me: Existe caso um bálsamo no mundo?”
E o corvo disse: “Nunca mais.”
“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais,
“ Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!”
E o corvo disse: “Nunca mais.”
“Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! (clamai, levantando-me) cessa!
Regressando ao temporal, regressa.
À tua noite, deixa-me comigo...
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vã a minha dor já crua.”
E o corvo disse: “Nunca mais.”
E o corvo aí fica; ei-lo trepado.
No branco mármore lavrado
Da antiga palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas lihas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!
Francisco Gonçalves de Oliveira assina em baixo tudo que contem essa obra prima de:
Edgar Alan Poe.
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
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