terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O corvo

/8/2007
O corvo

Poema “O corvo”



Tradução de: Machado de Assis

Autor: Edgar Alan Poe.

Título original: The Raven





Em certo dia, à hora, à hora.

Da meia noite que apavora,

Eu caindo de sono e exausto de fadiga,

Ao pé de muita lauda antiga,

De uma velha doutrina agora morta,

Ia pensando, quando ouvi à porta.

Do meu quarto um soar devagarinho

E disse estas palavras tais:

“É alguém que me bate à porta de mansinho”;

“Há de ser isso e nada mais.”





Ah! Bem me lembro! Bem me lembro!

Era no glacial dezembro;

Cada brasa do lar sobre o colchão refletia

A sua última agonia.

Eu ansioso pelo sol, buscava.

Sacar daqueles livros que estudava

Repouso (em vão!) à dor esmagadora.

Destas saudades imortais.

Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,

E que ninguém chamará mais.





E o rumor triste, vago, brando.

Das cortinas ia acordando

Dentro em meu coração um rumor não sabido,

Nunca por ele padecido.

Enfim, por aplacá-lo aqui, no peito,

Levantei-me de pronto, e “Com efeito,

(disse) é visita amiga e retardada

Que bate a estas horas tais.

É visita que pede à minha porta entrada:

Há de ser isso e nada mais.”





Minh’alma então sentiu-se forte;

Não mais vacilo, e desta sorte.

Falo: “Imploro de vós-ou senhor ou senhora”,

Me desculpeis tanta demora.

Mas como eu, precisando de descanso,

Batestes, não fui logo, prestemente,

Certificar-me que aí estais.

Disse; a porta que escancaro, acho a noite somente,

Somente a noite, e nada mais.





Com longo olhar escuro a sombra

Que me amedronta, que me assombra.

E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,

Mas o silêncio amplo e calado,

Calado fica; a quietação quieta;

Só tu, palavra única e dileta,

Lenora, tu, como um suspiro escasso,

Foi isso apenas, nada mais.





Entro co’a alma incendiada.

Logo depois outra pancada

Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:

“Seguramente, há na janela

Alguma coisa que sussurra. Abramos,

Eia, fora o temor, eia vejamos

A explicação do caso misterioso

Dessas duas pancadas tais,

Devolvamos a paz ao coração medroso,

Obra do vento, e nada mais.”





Abro a janela, e de repente,

Vejo tumultuosamente

Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.

Não despendeu em cortesias

Um minuto, um instante. Tinha o aspecto

De um lord ou de uma lady. E pronto e reto,

Movendo no ar as suas negras alas,

Acima voa dos portais,

Trepa, no alto da porta em um busto de palas:

Trepado fica, e nada mais.





Diante da ave feia e escura,

Naquela rígida e postura,

Com o gosto severo, - o triste pensamento.

Sorriu-me ali por um minuto,

E eu disse: “Ó tu que das noturnas plagas

Vens, embora a cabeça nua tragas,

Sem topete, não és ave medrosa,

Dize os teus senhoriais;

Como te chamas na grande noite umbrosa?”

E o corvo disse: ”Nunca mais.”.





Vendo que o pássaro entendia

A pergunta que eu lhe fazia,

Fico atônito, embora a resposta que dera

Dificilmente lha entendera.

Na verdade, jamais homem há visto.

Coisa na terra semelhante a isto:

Uma ave negra, friamente posta.

Num busto, acima dos portais,

Ouvir uma pergunta a dizer em resposta

Que esse é seu nome: “Nunca mais.”





No entanto, o corvo solitário.

Não teve outro vocabulário.

Como se essa palavra escassa que ali disse

Toda sua alma resumisse,

Nenhuma outra proferiu, nenhuma.

Não chegou a mexer uma só pluma,

Até que eu murmurei: “Perdi outrora”

Tantos amigos tão leais!

“Perderei também este em regressando a aurora.”

E o corvo disse: “Nunca mais.”





Estremeço. A resposta ouvida

É tão exata! E tão cabida!

“Certamente, digo eu, essa é toda a ciência

Que ele trouxe da convivência

De algum mestre infeliz e acabrunhado

Que o implacável destino há castigado

Ao tenaz, tão sem pausa, em fadiga,

Que dos seus Cantos usuais

Só lhe ficou na amarga e última cantiga,

Esse estribilho: “Nunca mais.”





Segunda vez nesse momento

Sorriu-me o triste pensamento;

Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rude;

E, mergulhando no veludo.

Da poltrona que eu mesmo ali trouxera,

Achar procuro a lúgubre quimera,

A alma, o sentido o pávido segredo

Daquelas sílabas fatais,

Entender o que quis dizer a ave do medo

Grasnando a frase: “Nunca mais.”





Assim posto, devaneando,

Meditando, conjeturando,

Não lhe faltava mais; mas, se lhe não falava,

Sentia o olhar eu me abrasava.

Conjeturando fui, tranqüilo, a gosto,

Com a cabeça no macio encosto

Onde os raios da lâmpada caíam,

Onde as tranças angelicais

De outra cabeça outrora ali se desparziam

E agora não se esparzem mais.





Supus então que o ar, mais denso,

Todo se enchia de um incenso,

Obra de serafins que, pelo chão roçando.

Do quarto, estavam meneando

Um ligeiro turíbulo invisível:

E eu exclamei então: “Um Deus sensível

Manda repouso à dor que te devora

Destas saudades imortais.

Eia,esquece,eia,olvida essa extinta Lenora.”

E o corvo disse: “Nunca mais.”.





“Profeta, ou o que quer que sejas!”

Ave ou demônio que negrejas!

Profeta sempre, escuta: ou venhas tu do inferno.

Onde reside o mal eterno,

Ou simplesmente náufrago escapado

Venhas do temporal que te há lançado

Nesta casa onde o horror, o horror profundo

Tem os seus lares triunfais,

Diz-me: Existe caso um bálsamo no mundo?”

E o corvo disse: “Nunca mais.”







“Profeta, ou o que quer que sejas!

Ave ou demônio que negrejas!

Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!

Por esse céu que além se estende,

Pelo Deus que ambos adoramos, fala,

Dize a esta alma se é dado inda escutá-la

No Éden celeste a virgem que ela chora

Nestes retiros sepulcrais,

“ Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!”

E o corvo disse: “Nunca mais.”





“Ave ou demônio que negrejas!

Profeta, ou o que quer que sejas!

Cessa, ai, cessa! (clamai, levantando-me) cessa!

Regressando ao temporal, regressa.

À tua noite, deixa-me comigo...

Vai-te, não fique no meu casto abrigo

Pluma que lembre essa mentira tua.

Tira-me ao peito essas fatais

Garras que abrindo vã a minha dor já crua.”

E o corvo disse: “Nunca mais.”







E o corvo aí fica; ei-lo trepado.

No branco mármore lavrado

Da antiga palas; ei-lo imutável, ferrenho.

Parece, ao ver-lhe o duro cenho,

Um demônio sonhando. A luz caída

Do lampião sobre a ave aborrecida

No chão espraia a triste sombra; e fora

Daquelas lihas funerais

Que flutuam no chão, a minha alma que chora

Não sai mais, nunca, nunca mais!







Francisco Gonçalves de Oliveira assina em baixo tudo que contem essa obra prima de:

Edgar Alan Poe.

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