terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Depilação

1/12/2007
DEPILAÇÃO

Tenta sim. “Vai ficar lindo.”

Foi assim que decidi, por livre e espontânea pressão de amigas, me render.

à depilação na virilha. Falaram que eu ia me sentir dez quilos mais leve.

Mas acho que pentelho não pesa tanto assim. Disseram que meu namorado ia

amar, que eu nunca mais ia querer outra coisa. Eu imaginava que ia doer,

porque elas ao menos me avisaram que isso aconteceria. Mas não esperava

que

por trás disso, e bota por trás nisso, havia toda uma indústria.

pornô-ginecológico-estética.



Oi, queria marcar depilação com a Penélope.

Vai depilar o quê?

Virilha.

Normal ou cavada?

Parei aí. Eu lá sabia o que seria uma virilha cavada. Mas já que era pra

fazer, quis fazer direito.

Cavada mesmo.

Amanhã, às... Deixa eu ver...13h?

Ok. Marcado.



Chegou o dia em que perderia dez quilos. Almocei coisas leves, porque.

sabia lá o que me esperava, coloquei roupas bonitas, assim, pra ficar.

chique

Escolhi uma calcinha apresentável. E lá fui. Assim que cheguei, Penélope.

estava esperando. Moça alta, mulata, bonitona. Oba vou ficar que nem ela,

legal. Pediu que eu a seguisse até o local onde o ritual seria realizado.

Saímos da sala de espera e logo entrei num longo corredor. De um lado a

parede e do outro, várias cortinas brancas. Por trás delas ouvia gemidos,

gritos, conversas. Uma mistura de Calígula com O Albergue. Já senti um

frio

na barriga ali mesmo, sem desabotoar nem um botão. Eis que

chegamos ao nosso cantinho: uma maca, cercada de cortinas.



Querida, pode deitar.



Tirei a calça e, timidamente, fiquei lá estirada de calcinha na maca.

Mas a Penélope mal olhou pra mim. Virou de costas e ficou de frente pra

uma

mesinha. Ali estavam os aparelhos de tortura. Vi coisas estranhas. Uma

panela, uma máquina de cortar cabelo, uma pinça. Meu Deus era O Albergue.

mesmo. De repente ela vem com um barbante na mão. Fingi que era natural e

sabia o que ela faria com aquilo, mas fiquei surpresa quando ela passou a

cordinha pelas laterais da calcinha e a amarrou bem forte.

Quer bem cavada?

é... É, isso.

Penélope então deixou a calcinha tampando apenas uma fina faixa da

Abigail,

nome carinhoso de meu órgão, esqueci de apresentar antes.

Os pêlos estão altos demais. Vou cortar um pouco senão vai doer mais

ainda

Ah, sim, claro.

Claro nada, não entendia porra nenhuma do que ela fazia. Mas confiei.

De repente, ela volta da mesinha de tortura com uma esp átula melada de um

líquido viscoso e quente (via pela fumaça).

Pode abrir as pernas.

Assim?

Não, querida. Que nem borboleta sabe? Dobra os joelhos e depois joga

cada perna pra um lado.

Arreganhada, né?

Ela riu. Que situação. E então, Pê passou a primeira camada de cera quente

em minha virilha Virgem. Gostoso, quentinho, agradável. Até a hora de

puxar.

Foi rápido e fatal. Achei que toda a pele de meu corpo tivesse saído, que

apenas minha ossada havia sobrado na maca. Não tive coragem de olhar.

Achei que havia sangue jorrando até o teto. Até procurei minha bolsa com

os

olhos, já cogitando a possibilidade de ligar para o Samu. Tudo isso

buscando

me concentrar em minha expressão, para fingir que era tudo supernatural.

Penélope perguntou se estava tudo bem quando me notou roxa. Eu havia

esquecido de respirar. Tinha medo de que doesse mais.

Tudo ótimo. E você?

Ela riu de novo como quem pensa "que garota estranha". Mas deve ter

aprendido a ser simpática para manter clientes.



O processo medieval continuou. A cada puxada eu tinha vontade de espancar

Penélope. Lembrava de minhas amigas recomendando a depilação e imaginava

que

era tudo uma grande sacanagem, só pra me fazer sofrer. Todas recomendam a

todos porque se cansam de sofrer sozinhas.

Quer que tire dos lábios?

Não, eu quero só virilha, bigode não.

Não, querida, os lábios dela aqui ó.

Não, não, pára tudo. Depilar os tais grandes lábios ? Putz, que idéia.

Mas topei. Quem está na maca tem que se fuder mesmo.

Ah, arranca aí. Faz isso valer a pena, por favor.

Não bastasse minha condição, a depiladora do lado invade o cafofinho de

Penélope e dá uma conferida na Abigail.

Olha, tá ficando linda essa depilação.

Menina, mas tá cheio de encravado aqui. Olha de perto.



Se tivesse sobrado algum pentelhinho, ele teria balançado com a respiração

das duas. Estavam bem perto dali. Cerrei os olhos e pedi que fosse um

pesadelo. "Me leva daqui, Deus, me teletransporta". Só voltei à terra

quando

entre uns blábláblás ouvi a palavra pinça.

Vou dar uma pinçada aqui porque ficaram um pelinhos, tá?

Pode pinçar, tá tudo dormente mesmo, tô sentindo nada.

Estava enganada. Senti cada picadinha daquela pinça filha da puta arrancar

cabelinhos resistentes da pele já dolorida. E quis matá-la. Mas mal sabia

que o motivo para isso ainda estava por vir.



Vamos ficar de lado agora?

Hein?

Deitar de lado pra fazer a parte cavada.

Pior não podia ficar. Obedeci à Penélope. Deitei de ladinho e fiquei

esperando novas ordens.

Segura sua bunda aqui?

Hein?

Essa banda aqui de cima, puxa ela pra afastar da outra banda.

Tive vontade de chorar. Eu não podia ver o que Pê via. Mas ela estava de

cara para ele, o olho que nada vê. Quantos haviam visto, à luz do dia,

aquela cena? Nem minha ginecologista. Quis chorar, gritar, peidar na cara

dela, como se pudesse envenená-la. Fiquei pensando nela acordando à noite

com um pesadelo. O marido perguntaria:

Tudo bem, Pê?

Sim... sonhei de novo com o cu de uma cliente.



Mas de repente fui novamente trazida para a realidade. Senti o aconchego

falso da cera quente besuntando meu Twin Peaks. Não sabia se ficava com

mais medo da puxada ou com vergonha da situação. Sei que ela deve ver mil

cus por dia. Aliás, isso até alivia minha situação. Por que ela lembraria

justamente do meu entre tantos? E aí me veio o pensamento: peraí, mas tem

cabelo lá?

Fui impedida de desfiar o questionamento. Pê puxou a cera. Achei que a

bunda

tivesse ido toda embora. Num puxão só, Pê arrancou qualquer coisa que

tivesse ali. Com certeza não havia nem uma preguinha pra contar a história

mais. Mordia o travesseiro e grunhia ao mesmo tempo. Sons guturais,

xingamentos, preces, tudo junto.



Vira agora do outro lado.

Porra.. por que não arrancou tudo de uma vez? Virei e segurei novamente a

bandinha. E então, piora. A broaca da salinha do lado novamente abre a

cortina.

Penélope, empresta um chumaço de algodão?

Apenas uma lágrima solitária escorreu de meus olhos. Era dor demais,

vergonha demais. Aquilo não fazia sentido. Estava me depilando pra quem?

Ninguém ia ver o tobinha tão de perto daquele jeito. Só mesmo Penélope. E

agora a vizinha inconveniente.



Terminamos. Pode virar que vou passar maquininha.

Máquina de quê?!

Pra deixar ela com o pêlo baixinho, que nem campo de futebol.

Dói?

Dói nada.

Tá, passa essa merda...

Baixa a calcinha, por favor.

Foram dois segundos de choque extremo. Baixe a calcinha, como alguém fala

isso sem antes pegar no peitinho? Mas o choque foi substituído por uma

total

redenção. Ela viu tudo, da perereca ao cu. O que seria baixar a calcinha?

E

essa arte não doeu mesmo, foi até bem agradável.

Prontinha. Posso passar um talco?

Pode, vai lá, deixa a bicha grisalha.

Tá linda! Pode namorar muito agora.

Namorar...namorar... eu estava com sede de vingança. Admito que o

resultado

é bonito, lisinho, sedoso. Mas doía e incomodava demais. Queria matar

minhas

amigas. Queria virar feminista, morrer peluda, protestar contra isso.

Queria fazer passeatas, criar uma lei antidepilação cavada.





Francisco Gonçalves de Oliveira



( recebi por email )

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