O medo e os princípios
14/04/2010 - 22:33 | Enviado por: Mauro Santayana
Por Mauro Santayana
“Não podemos continuar sacrificando os princípios ao medo”, escreveu o ex-senador democrata Gary Hart, ex-candidato à Presidência dos Estados Unidos, ao comentar o artigo The price of assassination, de Robert Wright, publicado na edição eletrônica do New York Times.
Wright analisa a ordem de Obama para o assassinato do cidadão nato norte-americano Anwar al-Awlaki, nascido no Novo México, que estaria no Iemen. Gary Hart tem autoridade moral para intervir no tema: foi membro da importante Comissão Church, do Senado dos Estados Unidos, que investigou o envolvimento de Washington nos assassinatos e tentativa de assassinatos de líderes políticos estrangeiros, em 1975. Entre outros alvos dos serviços secretos norte-americanos, a Comissão Church apontou Patrice Lumumba, Fidel Castro (cinco tentativas), Rafael Trujillo, da República Dominicana, os irmãos Diem, do Vietnã, e o general René Schneider, do Chile. A mesma comissão investigou também a participação dos mesmos serviços na conspiração e no golpe contra Allende, o presidente do Chile, morto ao resistir no Palácio de Governo em setembro de 1973.
Segundo Wright, ao contrário do que imaginam os partidários desses assassinatos no exterior, a “decapitação” dos grupos de “terroristas” inimigos não os esmorece: estimulam-nos. Cita estudo da professora Jenna Jordan, da Universidade de Chicago, que examinou 298 atentados entre 1945 e 2004. Sua conclusão é a de que, a cada atentado exitoso, o assassinado é substituído por um líder mais competente, e o número dos militantes cresce para atuar com maior força. A política dos killing targets é, assim, além de moralmente condenada e juridicamente contestada, prejudicial à segurança dos Estados Unidos.
No caso de Anwar al-Awlaki – cidadão norte-americano de pleno direito, por ter nascido em seu território, como nasceu Barack Obama, e de nome tão árabe quanto o seu – o problema é mais grave. Os juristas indagam se o governo dos Estados Unidos pode determinar a morte de um seu cidadão sem o devido processo da lei – como exige a Constituição. Obama vai além do famoso juiz de paz Charles Lynch, da Virgínia, que formava um simulacro de tribunal a fim de executar os leais à Grã-Bretanha durante a guerra da independência, seguindo os princípios legais da Inglaterra que exigiam o julgamento dos acusados “pelos seus pares”. Lynch – que frequentemente torturava também antes de matar os inimigos – legou-nos o verbo linchar, mas ouvia os acusados, em seu tribunal de faz-de-conta. Obama apenas determinou aos serviços norte-americanos que cacem um cidadão dos Estados Unidos no exterior e o executem.
Wright contesta também a ação militar norte-americana no Paquistão. Os ataques às supostas milícias do Talebã na fronteira entre os dois países, sem que haja autorização formal do governo de Islamabad (tolerar, por falta de opção diplomática ou militar é uma coisa, autorizar é outra) correspondem a atos de guerra não declarada, e, por isso, não permitida pelo Congresso. Em suma, Wright acha que Obama está indo além do que foram seus predecessores na ação militar no Exterior.
“Em nenhum caso – afirma Gary Hart em seu comentário – essas ações foram favoráveis aos Estados Unidos ou à sua política. Ao contrário, uma vez conhecidas, como acabam sendo as coisas, os ideais básicos de nossa Constituição e o prestígio nacional sofrem danos incalculáveis. A saída é a dos princípios contra os expedientes da conveniência. Não podemos continuar sacrificando os princípios ao medo”.
Um assessor jurídico do Departamento de Estado, Harold Koh, tentou defender a legalidade do ato, lembrando que, durante a 2ª. Guerra Mundial, aviadores de elite localizaram um avião em que viajava o oficial japonês que planejara o ataque a Pearl Harbour e o abateram. Koh parece ter-se esquecido de que se encontravam em guerra declarada, e o militar inimigo não era norte-americano. Obama a cada dia mais se parece a seus antecessores na Casa Branca, conduzidos pelo medo e subordinados ao Complexo Industrial-Militar que domina os Estados Unidos, conforme a advertência do general Eisenhower em seu Farwell Address, de 1961.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
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